terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A habitação, os nómadas e os ciganos

Este fim-de-semana que passou uma jovem realizadora portuguesa ganhou um urso de ouro com uma curta-metragem intitulada "Balada de um batráquio". Este facto foi notícia em todos os meios de comunicação social. Eu não vi a curta-metragem em questão, mas tenho grande curiosidade. Mas foi esta notícia que me fez lembrar do meu interesse sobre ciganos que vem de há muito tempo.

Sempre me lembro de existirem ciganos por aqui, mas lembro-me da primeira vez que ouvi falar da história dos sapos. Eu era escuteira e estávamos a fazer sapinhos de papel para vender, de forma a angariarmos dinheiro para alguma actividade. Na altura, tinha uns dez ou onze anos, mas nunca mais me esqueci disto, uma das minhas irmãs escutas (como nos chamávamos) morava num bairro social aqui perto da minha casa e disse que ia tentar vender os sapinhos num café nesse bairro, porque o café tinha imensos sapos para os ciganos não irem lá. Escusado será dizer que nesse bairro social vivem imensos ciganos.

Na altura achei isto tremendamente estranho, primeiro porque haveriam os ciganos de não entrar em sítios que tinham sapos a fingir, segundo qual o interesse em que eles não entrassem lá. Sim, eu sabia da fama e em muitos casos do proveito do povo cigano, mas nem por isso deixava de achar ridículo a ideia. É que a minha avó tinha um café, o qual já vinha do meu bisavó, onde estava um prato de loiça com a seguinte frase:

Tem minha casa um brasão
de entre todos o mais nobre
receber sem distinção
tanto o rico como o pobre

Acho que isto foi das primeiras coisas que li na vida e na minha cabeça este devia ser o lema de qualquer pessoa e qualquer estabelecimento, receber todos sem distinção. Já agora quem ficou com esse prato de herança fui eu e tenho-o na entrada de casa.

Mas bem o meu interesse por ciganos começou e já no último ano da faculdade tive oportunidade de fazer um trabalho sobre eles (e não só), na cadeira de Deontologia do Urbanismo. Fiz assim um trabalho intitulado Urbanismo e as Minorias Nacionais. Neste trabalho abordava as questões ligadas ao urbanismo, mais concretamente à habitação das comunidades nómadas nacionais. No caso português, os ciganos (embora o nomadismo seja cada vez mais raro). Mas descobri o que muito me impressionou, a existência de lei concretas de habitação para comunidades nómadas no Reino Unido, sendo este o meu caso de estudo.

Já fiz este trabalho há uns anitos, em 2008, por isso já não me lembro de tudo, muito menos de pormenores, nem sei se actualmente estas leis ainda se mantêm. Mas na altura fiquei fascinada com a realidade do Reino Unido, porque a nível nacional é obrigatório que todos as regiões tenham sítios próprios destinados a nómadas, o que facilita depois o acesso destes a outros serviços, tais como a saúde e a educação. No Reino Unido, além dos ciganos, existe outro grupo nómada, os Pavee de origem irlandesa, bem como "novos" nómadas, ou seja, pessoas que são nómadas por vontade própria e não por qualquer tradição ligada a uma minoria.

A questão é: na maior parte dos países existe a possibilidade de uma minoria nacional ou estrangeira se for nómada de o continuar a ser e mesmo assim ser bem aceite na sociedade? Penso que não. O nomadismo foi bloqueado, no caso dos ciganos dizemos que eles não se integram na sociedade e  até pode ser verdade. Mas integrar na sociedade é passar a ser igual à maioria? Essa é a integração fácil para o ponto de vista da maioria. Mas e do ponto de vista da minoria? As minorias querem e necessitam de perpetuar a sua cultura e isso nem sempre é possível nos modelos tradicionais de habitação. Lembro-me sempre de um professor que nos falava como os bairros sociais dos subúrbios franceses eram "castradores" para as mulheres árabes, habituadas a vivenciar e socializar nos pátios interiores. Aqueles maravilhosos pátios como podemos ver no Norte de África ou aqui ainda mais perto na Andaluzia.

E pronto, não quero alongar muito mais o assunto até porque o meu conhecimento não é assim tão grande, nem sequer sou estudiosa disto, nem de coisa nenhuma, mas lembrei-me deste trabalho. Mas gostaria de formar mais uma questão, se as maiorias aceitassem melhor as minorias, estas não estariam melhor integradas? Porque é tão difícil aceitar o nomadismo? Por exemplo, se este fosse aceite pelo Estado e por ele "controlado" não seria melhor para todos? Porque todos temos de viver nas mesmas tipologias habitacionais? E viajando um bocadinho mais, não falo apenas em nómadas, mas pessoas que querem viver em comunidades alargadas.

O trabalho que eu fiz era extenso, mas na altura fiz uma apresentação intermédia, está assim meio tosca, mas se alguém tiver curiosidade deixo aqui para verem: O Urbanismo e as Minorias

Já agora deixo também o link para algumas fotografias de Pierre Gonord, segundo a notícia são os últimos ciganos nómadas do Alentejo. E deixo uma fotografia para amostra, uma que me diz muito pela minha actual vida.

Imagem retirada de http://observador.pt/2015/03/11/ciganos-do-alentejo-numa-exposicao-em-nova-iorque/

Só mesmo para terminar e voltando aos sapos, uma vez fui a uma aldeia no município de Figueiró dos Vinhos e nunca tinha vistos tantos sapos, em todo o lado havia sapos de loiça, uma coisa inexplicável.

Acredito que mudarmos a nova perspectiva sobre os outros, aceitando-os melhor, muda as perspectivas deles sobre nós. Claro que não são mudanças imediatas, mas têm de começar por algum lado. Obrigar os outros a serem iguais a nós, só os faz ter repulsa e quererem ser diferentes.


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